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Deixe-me ser mulher: Lições à minha filha sobre o significado de feminilidade 7

7 | O TIPO CERTO DE ORGULHO


Existe, porém, outro tipo de orgulho que todo homem e toda mulher sob a autoridade de Deus devem cultivar. Isak Dinesen o define em seu belo livro A fazenda africana: Orgulho é a fé na ideia que Deus teve ao nos criar. Um homem orgulhoso está consciente dessa ideia e deseja realizá-la. Ele não se esforça para obter uma felicidade ou um conforto que possam ser irrelevantes para a ideia que Deus tem a seu respeito. Seu sucesso está na ideia de Deus, em realizá-la com sucesso, e ele ama seu destino. Eu aprendi (embora tardiamente, receio) o que é amar meu destino. Seu pai aprendeu isso muito tempo antes. “Onde quer que você esteja”, escreveu ele, “esteja lá de forma plena. Viva plenamente todas as situações que você acredita serem a vontade de Deus”. Na minha opinião (e confio que meu julgamento não seja totalmente enviesado pelo fato de eu ser sua mãe), você sempre entendeu isso. Praticamente desde o nascimento, você tem não apenas aceitado, como também tem sido exuberante em sua aceitação. “Pessoas sem orgulho”, continua Dinesen, “não estão nada cientes da ideia de Deus ao criá-las e, às vezes, fazem você questionar se essa ideia jamais existiu ou se foi perdida — e quem voltará a encontrá-la? Elas são obrigadas a aceitar como sucesso aquilo que os outros consideram ser e a obter felicidade, até mesmo sua própria identidade, pela cotação do dia”. 6 Algumas poucas mulheres, de visão grotescamente distorcida, estão tentando redefinir para nós o significado do “sucesso” feminino. Elas nos dizem que nossa felicidade não repousa na ideia de Deus ao nos criar, mas, sim, na total obliteração dessa ideia. A criação de macho e fêmea como opostos complementares não tem lugar em seu pensamento; e qualquer definição de masculinidade e feminilidade é totalmente desprovida de sentido senão como referência a expectativas culturais e sociais. Podemos alterar a masculinidade e a feminilidade simplesmente alterando os processos de condicionamento. Você entenderia melhor do que alguns quanto as culturas e as sociedades diferem em suas expectativas com relação aos comportamentos masculino e feminino. Em seus primeiros oito anos de vida, você viveu com índios sul-americanos que traçavam distinções bastante nítidas entre os sexos. Não eram sempre as distinções que nós, norte-americanos, faríamos, mas, ainda assim, eram distinções. As mulheres tinham cabelos longos; os homens, curtos. Os homens comiam primeiro, as mulheres esperavam para comer o que quer que sobrasse após os homens terminarem. As mulheres carregavam fardos pesados. Os homens não eram considerados fisicamente capazes para realizar esse trabalho. Tanto homens como mulheres estavam dispostos a trabalhar para os brancos, brandindo facões para limpar pastos e matagais — e, embora as mulheres fossem, em geral, mais eficientes nessa tarefa, seus salários eram menores que os dos homens, a despeito de as horas trabalhadas serem as mesmas. Os homens caçavam; as mulheres plantavam. Os homens usavam armas (zarabatanas ou espingardas, dependendo de quão “civilizados” fossem); as mulheres faziam redes de pesca, potes, redes de dormir, peneiras. Os homens teciam cestos. Como uma pequena garota estrangeira, você assumiu seu próprio lugar entre eles, aprendendo a capturar peixes com as mãos, como as mulheres faziam; também aprendeu a cozinhar, amassar, mastigar e cuspir sua mandioca para fazer chicha e então, antes de você mesma beber, a servir os garotos que eram seus amigos. Você aprendeu a brandir o facão, a fazer fogueiras e a caminhar pelas trilhas com um pé na frente do outro; e você também sabia que, assim como as crianças índias, não era seu papel reclamar. Não me lembro de quando falamos de sexo pela primeira vez. Você cresceu sabendo a respeito. Você mal havia saído das fraldas quando me ajudou a salvar a vida de um bebê que estava com dificuldades para nascer. O bebê estava em posição pélvica e as mulheres, que já haviam começado a lamentar a morte de mãe e filho, recusaram-se a me ajudar. Eu precisava de um pano quente para envolver o corpo do bebê e, assim, evitar que ele tentasse respirar antes da hora; mas ninguém queria sujar suas roupas. Você correu e me trouxe uma de suas próprias fraldas e então, maravilhada, testemunhou, ao lado dos outros, o bebê finalmente nascer, com vida e chorando. Você tinha apenas três anos quando fomos morar com os Auca, um povo que andava nu e cujas conversas eram quase exclusivamente sobre caçadas, lanças e sexo. Não havia opções de vocabulário. A língua deles não fazia distinção entre vocabulário médico, expressões infantis e linguagem chula. Havia apenas palavras totalmente diretas para órgãos, funções e atividades, e qualquer conversa cotidiana poderia citá-las — então, é claro, você as aprendeu. E agora você esqueceu tudo isso, incluindo todo o resto da língua que aprendeu; contudo, você se lembra das pessoas e da vida que teve com elas lá, e isso me alegra. Você sempre carregava suas bonecas enroladas em uma manta a tiracolo, como faziam as mães índias e como você mesma fora carregada. Você brincava de casinha com as crianças indígenas — algo que elas nunca haviam pensado em fazer, mas você lhes mostrou como arranjar um pequeno lugar no buraco de uma raiz de árvore e ali acender uma pequena fogueira; afinal de contas, o único item realmente essencial em uma casa na selva era a fogueira. Será que você estava se conformando às pressões sociais ao ter essas brincadeiras de “menina”? Certamente, não. Certamente, era porque você nasceu mulher. Havia em você um conhecimento divinamente implantado a partir do qual sua imaginação, mais ativa que a dos nativos, começava a trabalhar. Quando você ficou mais velha e nós viemos morar nos Estados Unidos, lembro-me de sua expectativa ao ir à escola pela primeira vez. Você começou a quarta série e, em poucos dias, já havia entrado no ritmo dessa nova vida, tão diferente da anterior, e, no que me pareceu uma questão de semanas, você havia crescido. Nós havíamos conversado, quando você era pequena, sobre as maravilhas de ser mulher. Certa vez, quando tinha cerca de quatro anos, você foi entrevistada em um programa infantil no rádio. “O que você vai ser quando crescer, Valerie?”, perguntaram a você (é claro!). “Só quero ser uma mamãe”, foi sua resposta sem hesitação. Crescer era muito empolgante. Você mal podia esperar e, quando, por fim, chegou o dia em que soube que era de fato uma mulher, você veio me contar com os olhos brilhando.

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