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Deixe-me ser mulher: Lições à minha filha sobre o significado de feminilidade 5

5 | CRIAÇÃO — A MULHER PARA O HOMEM


Esta foi uma tarde de vento agreste, com o sol aparecendo por entre as nuvens apenas por breves intervalos. Tive vontade de sair e sentir o vento, então MacDuff e eu fomos a Nantucket Sound, onde pudemos correr em uma praia de longa extensão e vazia. O vento nos ajudava a correr e talvez tenhamos percorrido um quilômetro e meio antes de darmos meia-volta. Agora, a areia soprava em nossos olhos e o vento nos dificultava. Tive de correr inclinando-me e MacDuff aplanava as orelhas e espirrava quando a areia entupia seu focinho. Bem no meio do caminho, encontrei uma duna capaz de nos proporcionar algum abrigo e me sentei. MacDuff ficou feliz em se sentar ao meu lado por alguns minutos, até que, de repente, ocorreu-lhe que ele deveria estar cavando. Então, ele passou a cavar com uma energia furiosa, lançando rajadas de areia para trás de suas poderosas patas dianteiras. Não é difícil pensar na grandeza de Deus ao olhar para o mar e a imensidão de horizonte e céu. Não é difícil pensar no poder da imaginação divina ao observar os desenhos das conchas. (Estou dizendo que não é difícil pensar nisso. É difícil — é impossível — compreender isso. Como disse João Damasceno, um pai da igreja do século VIII: “Deus é infinito e incompreensível; e tudo que se pode compreender a seu respeito é sua infinitude e incompreensibilidade”.) Deus é o Todo-Poderoso, o Criador, um Deus de ordem, harmonia e propósito. Nós cremos no relato da criação encontrado nos dois primeiros capítulos da Bíblia, assim como nos deleitamos em saber que o Criador de toda aquela lista de maravilhas se deleitou ao contemplá-las. Ele fez cada coisa de acordo com a Palavra de seu poder e, ao contemplá-las, viu que tudo era bom. Ele criou o homem à sua imagem e, então, pela primeira vez, Deus viu algo que não era bom. Não era bom que o homem estivesse só. Deus decidiu criar uma auxiliadora que lhe fosse idônea; e foi depois dessa decisão, de acordo com Gênesis 2.19, que ele formou os animais e os pássaros — como se, dentre eles, tal auxiliadora pudesse ser escolhida. Ele até os trouxe a Adão, “para ver como este lhes chamaria”. Imagine o Criador Todo-Poderoso esperando “para ver” quais nomes Adão, sua criatura, seria capaz de inventar! Adão foi capaz de inventá-los, é verdade. O poder de sua imaginação também era impressionante. Ele pensou em nomes para cada um dos animais domésticos, das aves e dos animais selváticos. E ele e Deus devem tê-los examinado juntos, um a um. Deve ter sido uma cena e tanto — Deus e Adão examinando os animais. Será que Adão, ao contemplar esses outros seres, teve pelo menos um momento de crise de identidade (como eu teria tido), perguntando-se: “Quem sou eu, em comparação a eles”? Você e eu amamos zoológicos. Ficamos paradas, de olhos fixos. Certa vez, vimos tigres acasalarem (uma senhora perto de nós disse: “Muito bem, garota!”, mas um homem falou: “Vou-me embora!”); e outra vez, quando você tinha três ou quatro anos, ficou encarando um elefante até que, finalmente, disse: “Como eles têm essas coisas em vez de pés?”. Os animais nos encaram de volta, seus olhos encontrando os nossos através das barras das jaulas. Algo infinitamente maior que essas jaulas nos separa. Há um grande abismo estabelecido, um mistério insondável que, penso eu algumas vezes, os próprios animais entendem — eles nos fitam com tanta serenidade —, mas que me faz lembrar quão abismal é minha própria ignorância. Os homens capturam, usam, controlam e matam os animais. Às vezes, eles os amam. Nós amamos MacDuff. Nenhuma outra palavra se aplica. Nós o amamos. Ele é um bom companheiro, perfeitamente silencioso quando está dentro de casa e eu estou trabalhando, perfeitamente disposto a fazer o que quer que eu decida fazermos à tarde e perfeitamente dedicado à sua divinamente atribuída (sim, acho que foi atribuída) tarefa de me manter feliz. Adão, estou certa, amava os animais que eram seus companheiros no Jardim. Talvez ele até mesmo tivesse como amigo especial um cachorro, um cavalo ou um unicórnio. Mas o que ele entendia e que nós também entendemos? Ontem mesmo, li a respeito de uma bela égua de corrida que quebrou o tornozelo e continuou a correr, fazendo o que fora treinada para fazer, até que, finalmente, teve de parar. Eles tentaram tratá-la, mas, ao recuperar a consciência, ela lançou fora a ligadura de gesso em um frenesi de medo e dor. Tiveram de sacrificá-la. A foto de revista daquela criatura magnífica, amarrada por finas rédeas enquanto empinava, me deixou consternada. Sua obediência aos treinadores e ao jóquei proporcionou lucro a seus donos, mas sofrimento e morte a ela. Ninguém foi capaz de lhe dar explicações ou de lhe pedir desculpas. Lá estão os animais, nossos companheiros, na condição de criaturas do mesmo Deus Criador, nossos companheiros no sofrimento, mudos e misteriosos. “Para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea” (Gn 2.20). Deus poderia ter dado outro homem para ser amigo de Adão — para caminhar, conversar e discutir com ele —, se isso fosse do seu agrado. Mas Adão precisava de mais do que a companhia dos animais ou a amizade de um homem. Ele precisava de uma auxiliadora especialmente projetada e preparada para cumprir essa função. Foi uma mulher que Deus lhe deu, uma mulher “idônea”, adequada, talhada, inteiramente apropriada a ele, formada de seus próprios ossos e de sua carne. Não se pode fazer uso adequado de algo a menos que se saiba para o que aquilo foi feito, se é um pino de segurança ou um veleiro. Para mim, é algo maravilhoso ser mulher sob a autoridade de Deus — saber, antes de tudo, que fomos criadas (“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”; Gn 1.27) e, então, que fomos criadas para algo (“E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe”; Gn 2.22). Essa foi a ideia original. Era isso que uma mulher deveria ser. O Novo Testamento faz referência clara e firme a esse propósito: “Porque o homem não foi feito da mulher, e sim a mulher, do homem. Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem” (1Co 11.8-9). Alguns textos estão sujeitos a diferentes interpretações, mas, por mais que eu me esforce, não consigo ver nenhuma ambiguidade nesse aqui.

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