Deixe-me ser mulher: Lições à minha filha sobre o significado de feminilidade 43
- Emperolar

- 28 de set. de 2022
- 3 min de leitura
43 | UM UNIVERSO DE HARMONIA
Nas minhas noites aqui no chalé em Cape Cod, tenho lido um livro sobre este lugar; The Outermost House, de Henry Beston. Ele descreve, em uma linguagem primorosa, o ano que passou na Grande Praia de Cape Cod, sozinho, em uma casa nas dunas com vista para o Atlântico. A beleza, a força e o terror da natureza são descritos com profunda compreensão. Muitas forças convergem quando irrompe uma tempestade — o poderoso ritmo terreal das ondas, a violência do vento, a luta da água para obedecer à sua própria lei natural. Da tempestade no mar, vêm os colossos, os quais, sendo colossos, fazem longas viagens, colidindo primeiro com a barreira externa. Em seguida, lançam-se rumo à costa, rompendo tudo pelo caminho. Ao tocarem a praia, eles tombam com um rugido perdido em meio ao som generalizado da tempestade. Esmagada pelo vento e continuamente agitada, elevada e lançada para baixo pelas correntes que se aproximam, a água em alto-mar adquire um furioso aspecto vítreo de espumas marmoreadas; selvagens e velozes jatos de água erguem-se a quinze metros de largura; jorra água misturada com areia. Sob tudo isso, movem-se furiosas correntes marítimas, a ressaca costeira nas extremidades de Cape Cod. Aqui, as correntes costeiras se movem na direção sul; velhos destroços de madeira flutuante estão sempre sendo carregados do norte para cá. Com frequência, amigos da guarda costeira veem uma caixa ou um bordão que recuperei e dizem: “Vi isso há duas semanas, perto do farol”. Beston fala da obediência maravilhosa de cada aspecto da criação — os ventos, as marés, as migrações de pássaros, o ritmo e o jogo de luzes, os sons, as fragrâncias e cores, todos movendo-se em perfeita harmonia, como se estivessem sob o comando de uma batuta invisível. Um dos mais estranhos fenômenos descritos é a migração dos sáveis, peixes semelhantes ao arenque que os indígenas costumavam usar para fertilizar suas plantações de milho. Esses sáveis de Weymouth se enxameiam do mar e só Deus sabe de que mar eles vêm. Eles sobem o ribeiro de Weymouth e, impedidos por uma represa de continuar, são pescados em uma rede, despejados em barris de água e carregados por terra em um caminhão até o viveiro de Whitman. Eu os observava seguirem as correntes dentro do viveiro, após terem sido derramados ali. Depois, talvez, lhes sobrevém uma sensação de ser chegado o tempo previsto; cada fêmea põe de sessenta a cem mil ovos viscosos, os quais caem no fundo, vagueiam pela lama, deslizam e se agarram conforme queira o acaso. Então, as fêmeas em desova e os machos passam pela represa e voltam ao mar; dez meses ou um ano depois, os arenques nascidos no viveiro os seguem; e, então, chega outra primavera e, com ela, um grande mistério. De qualquer lugar nas profundezas do oceano, cada peixe nascido em Weymouth se lembra do viveiro de Whitman e se dirige para lá por invisíveis léguas submarinas. O que se passa naqueles cérebros frios? Que chamado os agita quando o novo sol desponta sobre a vastidão do oceano? Como cada criatura encontra seu caminho? As aves migratórias têm por referência paisagens, rios e formações geográficas na costa — mas os peixes, o que eles têm? No presente, porém, os peixes estão “de volta ao lar” em Weymouth, nadando contra as cheias de primavera rumo ao lago ancestral. Que ardor imenso, irresistível, implacável e intenso da natureza pelo movimento da vida! E todas essas suas criaturas, que dores de parto, que fome e frio, que luta dolorosa e lenta eles não suportarão para cumprir o propósito da terra? E que deliberação humana e consciente pode igualar essa vontade impessoal e coletiva de render a própria vida à vontade da vida universal? Ventos e ondas, marés e tempestades, as migrações de pássaros e peixes são elementos do compasso, da ondulação e do ritmo que subjazem à maravilhosa harmonia do universo. Temos falado sobre a primeira coisa que faz o casamento funcionar — a aceitação da hierarquia divina —, que é, penso, outro aspecto dessa harmonia. O homem e a mulher, ao se reconhecerem como coerdeiros da mesma graça de vida, movem-se no ritmo do compasso, aceitando seus limites, assim como fazem as ondas, entregando cada um a própria vida à Vontade da Vida Universal (termo que Henry Beston não pôs em maiúsculas), movendo-se sempre em direção à mais sublime realização e à mais sublime alegria — a música perfeita —, que é a vontade de Deus.





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